sexta-feira, 30 de maio de 2003

Barbie

Não era meio-dia, não tinha acordado de ressaca, não precisaria roubar absorventes da sua cunhada. Ainda assim, levantou um pouco zonza da cama, viu por uma persiana que a empregada da casa de seu namorado-quase noivo estava perto de terminar o almoço e caminhou descalça para alimentar os hamsters e trocar a água. Passaram trinta minutos no rádio-relógio, para que ela, depois de fumar seu segundo cigarro na varanda e olhar todas aquelas casas condenadas, depois de guardar no cesto duas ou três roupas dele espalhadas pela sala, depois de escutar a canção-tema do Globo Espetacular, pa-pa-pa-pa pa-pa-pa, precisou admitir que não era mais capaz de conduzi-lo até onde ela queria chegar, que mesmo que desejasse muito, quisesse muito, sonhasse muito, simplesmente não conseguiria reverter a mortificação dos corpos. Tinha cansado das tangentes viciosas, não aguentava mais comparar o que tinha sido com o que estava sendo, os olhares daquela terça e os olhares de ontem, de tal modo que, num ímpeto de felicidade e confusão, num ímpeto de força que quase a deixou ser ar, se tornou uma dessas mulheres que cada vez mais estão preparadas não apenas para o fim como para dez mil passos além.

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